SEIDI SÃO PAULO

O que vier na cabeça, sem revisar os textos.

Monday, July 31, 2006

 


Novos botecos

Os botecos estão de cara nova. Limpinha porém, sem graça. Não se trata de botecos chiques, cariocas, que estão na moda entre os arrumadinhos paulistanos. Estou falando daqueles lugares que vendem cerveja de garrafa.

Na esquina perto de casa existem dois. A sua aparência nos confunde. No início, pensei que fosse meio padaria, meio lanchonete. São forrados de ladrilhos de cerâmica, do chão a parede, geralmente brancos, o que dá um aspecto higiênico porém sem charme, parecendo uma cozinha industrial.

Numa fria manhã de sábado, na esperança de encontrar pães frescos na menor distância possível de casa, arrisquei a dar uma passada num desses estabelecimentos. O balcão é de granito, as paredes de cerâmica, com cara de novo. Na vitrine dos salgadinhos, coxinha, risoles, quibe e enroladinhos inidentificáveis enfileirados. Pergunto ao senhor atrás do balcão:

- Tem pãozinho?
- Não!

Respondeu ofendido, como se tivesse perguntado em algum restaurante chinês se servem sushi.

Depois fui percebendo, pela cidade, o surgimento desses botecos. De dia servem pratos comerciais “R$ 8,90”, “substâncias” como vaca atolada e feijoada. À noite, torna-se ponto de encontro dos bebedores de cerveja de garrafa e pinga, acompanhado de torresmo e ovo de codorna.

Aqueles botecos com balcões de fórmica cor salmão ou creme, com paredes de alvenaria, estão sumindo. Não que esses também eram exemplos de bom gosto, porém, esses novos, perderam charme.

Existe um lugar tradicional chamado Pastelaria Yokoyama, na rua Lins de Vasconcellos número 1.365, no bairro de Cambuci. Famosos por suas esfihas suculentas, pastel de camarão com palmito que derrete na boca, e outras iguarias de baixa gastronomia. Lembro-me que antigamente era apenas um balcão (daqueles de boteco antigo), com várias canetas penduradas do alto onde os funcionários (todos descendentes de japoneses) puxavam para anotar os pedidos. Atualmente localizado num espaço maior, porém como os botecos acima mencionados, perdeu o seu charme. Paredes de cor duvidosa, assentos de Mc Donald´s, ou seja, tornou-se um pedaço de uma praça de alimentação de Multi Shop ou Promocenter.

Ainda bem que a qualidade das suas comidinhas continua impecável.


(foto: Bar do José 1928 - fonte http://www.agenealogia.com)

Friday, July 21, 2006

 

Vestir uma brasileira

A cantora Maddonna disse uma vez que achava interessante a forma como uma brasileira mostra o seu corpo, através da maneira de vestir. Acredito que não são as que aproveitam melhor as roupas de frio (as européias conseguem manter a sensualidade combinando minissaia com meias, mesmo em temperaturas abaixo de zero), porém na moda verão as brasileiras realmente são mestres.

Garotas de Ipanema conseguem, mostrar a sensualidade, a vivacidade e elegância através de suas roupas, o que as garotas de South Beach tentam, mas não conseguem.

Na moda casual, atualmente as brasileiras estão mais alinhadas com a tendência internacional, mas tivemos um período dos anos 80 em que nós usávamos as pitorescas calças baggy. Um amigo japonês, em visita ao país, olhava as orgulhosas mulheres e adolescentes com essas calças jeans que na parte das nádegas ficava bem apertada e na das pernas, bem folgada.
- Que jeans são aquele? Nunca vi igual, em nenhum lugar do mundo – me perguntava o amigo, num misto de indagação e excitamento.

O mais interessante é a moda “executiva”. Terninho mostrando a silhueta, e calças apertadas, de tecido fino. Ternos de linho já é coisa de um passado muito distante (também dos anos 80). Não sei que tecido é aquele, de hoje, se são sintéticos ou algodão puro. Mas o corpo das mulheres “típicas” brasileiras adere nessas calças, que faz conjuntinho com a jaqueta nas cores que vão de preto básico, passando por azul celeste, terminando em rosa claro. As mulheres que trabalham na Wall Street ou City de Londres também usam conjuntos parecidos, porém menos coloridos e com tecido mais grosso. Marca de calcinha, nem pensar.

Numa manhã de sexta-feira ensolarada, com muito calor, eu estava no meu carro, aguardando o semáforo do gigantesco cruzamento entre a Av. Brasil e Henrique Schalmann. Uma mulher dessas “executivas”, loira química, parada no meio da avenida. Carregando uma bolsinha de couro sintético e vestindo o tal terninho, mas de cor iluminado, um legítimo verde pistache. A traseira era bastante acentuada, o que resultava na inflação desta figura de cor verde pistache. Cada moto-boy que passava por ela, buzinava. Porém, noto, sem querer, naqueles relevos que toda mulher possui nas nádegas e nas pernas. E vi que a sua superfície estava bastante acidentada, semelhante à casca de noz.

Supondo que ela trabalhe numa empresa multinacional, os executivos estrangeiros recém-chegados ao país devem achar divertido, essa invasão das nozes, em sóbrio escritório da sua companhia.

Saturday, July 01, 2006

 

Svetlana, a Ucraniana
Conto - Seidi Kusakano

O inverno em Kiev era rigoroso, marcando dezenas de graus abaixo de zero. Estava caminhando pela avenida Kreshchatyk, a principal da cidade, fechada para pedestre aos domingos. Casais, crianças, idosos andavam como se estivessem no calçadão de Ipanema. Eu, como um bom homem tropical, não estava acostumado a essa temperatura “polar.” Andava encolhido, agasalhado como um urso.

O trabalho de exportação de café brasileiro me possibilitava conhecer várias cidades do mundo. Naquela época estava concentrando as vendas no Leste Europeu, desbravando este mercado inexplorado, recém aberto para o ocidente, depois da queda da União Soviética.

Naquela viagem havia fechado contratos de seis dígitos com novos clientes. Então resolvi aproveitar o final de semana nessa cidade bela e ao mesmo tempo triste, encravado na fronteira entre a Europa e a Ásia.

Kiev era uma das cidades onde ainda mantinha algumas características da época do socialismo: músicas ucranianas melancólicas cortinavam pela cidade através dos autos-falantes instalados nos postes; lojas de departamentos cinzentas; edifícios do governo, monumentais, ornados com símbolo do partido comunista. E naquela época do ano a neve cobria toda a cidade completando a atmosfera de um lugar remoto, muito longe de Paris ou Los Angeles.

Estava caminhando por cerca de 20 minutos e já não estava agüentando o frio. Resolvi procurar um café para me aquecer e tomar um chá ou uma cerveja local, bem encorpada.

Num gesto rápido, um homem de bigode chegou ao meu lado mostrando um bolo de dólares americanos. E se dirigiu a mim, em um inglês com sotaque forte:

- Achei isso! Estava caído! Juro. O que faremos? Pode ir a policia comigo? – o homem falava rápido, aumentando ainda mais a minha desconfiança.
- Por que eu tenho que ir com você? Não tenho nada a ver com isso – respondi com agressividade.

Azar dele. Errou o alvo. Sou brasileiro. Acostumado a essas coisas, moro em São Paulo.

- Mas temos de ir! A polícia! Fica logo ali – estendeu o seu braço em direção a um beco escuro e suspeito.

Parei de olhar a cara dele e saí andando em passos rápidos. Ele nem veio atrás de mim, o seu grito repetindo “vamos a polícia” distanciava a cada segundo.

Encontrei um café, sentei numa confortável poltrona (um pouco desbotada) de frente para uma janela que dava para a avenida. Relaxado, quando comecei a tomar a minha caneca de cerveja, uma moça ruiva de cabelos curtos entrou. Ao sentar-se na mesa ao lado, de frente para mim, tirou o sobretudo. Estava com uma minissaia de lã verde e meia calça bordô. Achei interessante o seu rosto, quadrado, e olhos cinza assimétricos, picassianos, porém de uma beleza inédita, única, daquelas que cada dia encontraria uma novidade, um novo ângulo para apreciar.

Foi questão de tempo começarmos a conversar (ela vindo a minha mesa). Afirmou que havia visto a cena, de eu fugindo dos bandidos. “É uma pena, hoje em dia a criminalidade aumenta a cada dia”, ela murmurou, com seu jeito rígido, típico de pessoas de lugares frios.

Svetlana era o nome dela, e por sua causa adiei minha volta para São Paulo. Ficaria mais uma semana, no seu apartamento soviético, porém bem arrumado. Ela era uma bióloga divorciada, bastante culta, sabia de muitas coisas sobre o Brasil que não se resumia em futebol e samba. Nós nos apaixonamos. Passei a semana inteira admirando suas curvas suaves e a sua pele branca, brilhante como manjar.

Na ultima noite da minha estada, ela estava apreensiva. Perturbada até. Era natural, porém não percebia que ela tentava me avisar algo. “Não fique triste assim” eu a consolava como aquele personagem irritantemente desligado dos filmes de suspense americanos. Bebemos vinho, preparei um jantar composto por massa folhada com salmão, capelini com caviar iraniano e torta de limão, bem brasileira – ela ficou emocionada – dormimos e fizemos amor com promessa de que encontraríamos em alguns meses.

Na manhã seguinte, acordei com a claridade (ela sempre deixava fechada a grossa cortina). Olhei para Svetlana, graciosa, dormindo com a sua boca ligeiramente aberta, para cima, como se estivesse sorrindo. Quem abriu a cortina? Pensei. Senti o cheiro de cigarro. Levantei, bruscamente.

Havia um homem sentado na poltrona, fumando, tranqüilo, soltando densa fumaça sob o seu bigode, olhando para nós.

Bigode, o homem que quase me assaltou!

Olhei para o meu lado e Svetlana já estava com os olhos bem abertos, querendo dizer algo.

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