SEIDI SÃO PAULO

O que vier na cabeça, sem revisar os textos.

Friday, October 27, 2006

 

Moscou
Selvagem 1
Relato de viagem 2003 - Seidi Kusakano


Nos dias de hoje, a Rússia está gozando de uma forma brutal senão selvagem, o puro capitalismo.

No caminho do aeroporto Domodedovo para o hotel avistei vários outdoors, principalmente de indústrias automobilísticas da clássica Lada, a japonesa Nissan. Eram 6 da tarde e o subúrbio de Moscou já estava totalmente escuro, e as margens da estrada, brancas, cobertas pela já densa neve de dezembro. Tentei imaginar esta paisagem trocando na minha mente os outdoors pelas propagandas como “Construam o Comunismo”, com desenhos de camponeses erguendo enxadas, ou operários a caminho da fábrica.

Aproximando da área residencial, surgiram blocos de apartamentos de aparências iguais, em geral de 4 andares, com instalações comerciais no térreo. Os moscovitas andavam com sobretudo preto e quepes de pelúcia na cabeça. Cena típica. Sinal vermelho! O nosso carro parou num cruzamento. Ouvi passos das pessoas, rangendo, afundando os pés na neve. Como andar numa praia de areias brancas. Um bonde elétrico com cara dos anos 50 parou num ponto com uma multidão à sua espera. Pessoas de preto se enfiaram no veículo, já lotado, mas o que mais queriam era voltar para casa o mais rápido possível. A condição física não permitiria esperar o próximo bonde. Morreriam congelados. Cada um mentalizando um único objetivo: regressar ao lar. Dar aquele abraço na esposa. Tomar sopa de beterraba quentinha. Assistir a famosa novela brasileira (por que não?) esparramado no sofá, comendo salgadinhos. Este desespero coletivo lembra o metrô de Tóquio na hora do rush. Eu queria tirar fotos, mas o vidro do carro estava muito sujo e congelado. E ainda, não queria causar um mal estar com o motorista, registrando na câmara fotográfica a sofrida vida cotidiana dos moscovitas. Mas o meu desejo era realmente de estar “clicando” esta cena dramática, me sentindo um Sebastião Salgado.

O hotel Izmailovo impressiona pela sua grandeza. Formado por quatro edifícios, cada um contendo em torno de 500 quartos. Na entrada haviam instalado detetores de metais, raio X e dezenas de militares uniformizados me olhando como se fosse algum terrorista islâmico da Chechênia. Sei que parece loucura mas fiquei excitado com tudo isso, pois me sentia num filme do James Bond. No lobby do hotel, além de rostos eslavos vi muitos rostos orientais que não eram da China nem da Coréia, muito menos do Japão. Eram da Ásia Central. Posteriormente fui informado de que toda aquela aparelhagem era para capturar um terrorista turcomeno. Dois dias depois da minha chegada na cidade os noticiários das tevês anunciaram a sua prisão e as máquinas raio X estavam encostadas nos corredores, como elefantes brancos, como aquela bicicleta ergométrica que compramos com tanto entusiasmo no começo.

Nos hotéis da Rússia é necessário que todos os hóspedes registrem seus passaportes junto a OVIR (Departamento de Registros e Vistos). Os passaportes são retidos por algumas horas, enquanto os funcionários mal-humorados cumprem o seu devido trabalho. Esta burocracia é um dos legados do comunismo. Mesmo com espírito preparado para estas situações desagradáveis, fiquei irritado. E estou confiante em dizer que sou uma pessoa extremamente paciente. Aliás a paciência é uma característica dos consumidores russos desenvolvida no comunismo. Reforço que é apenas quando a população encarna o consumidor. As pessoas que trabalham e atendem nas lojas servem o cliente da pior maneira possível. Mas estas pessoas também precisam comprar coisas. Daí mudam de papel. Engolem desaforos dos vendedores. Nas sociedades que tiveram um histórico de livre mercado acontece exatamente o oposto disso. Mesmo depois de uma década após a queda do comunismo os hábitos continuam os mesmos, sobretudo na geração mais velha. Como é difícil mudar os hábitos das pessoas.
(continua...)
(Foto: www.leotaylor-photos.com)

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