SEIDI SÃO PAULO

O que vier na cabeça, sem revisar os textos.

Saturday, August 26, 2006

 

O Porteiro do Grand Hotel Royal

Conto - por Seidi Kusakano

Realizei o meu sonho aos 17 anos, quando comecei a trabalhar no Grand Hotel Royal. Iniciei como mensageiro, carregando malas de Getúlio Vargas a Madonna, ora sendo elogiado, ora levando desaforos. O hotel era um marco, trabalhar aqui era um orgulho pessoal. Os hóspedes caminhavam pelo piso de mármore italiano com sapatos caros, apoiavam no balcão da recepção de madeira nobre e faziam check in. O restaurante e o bar estavam sempre lotados de poderosos locais e internacionais, todos conversando num sussurro agradável, de pessoas finas, educadas. Gostava de escutar o barulho do balançar da coqueteleira confeccionando o melhor Dry Martini da cidade. Também deliciava com o tilintar delicado dos gelos no copo de uísque dos senhores barrigudos e engravatados.

Aos 40 anos de trabalho no Grand Hotel Royal, havia chegado ao ápice da minha carreira: capitão-porteiro. Era uma figura marcante, o homem de silk hat, um verdadeiro cavalheiro que recepcionava todos que entrava no hotel. As luvas, branquíssimas, eram retiradas quando algum hóspede conhecido vinha me cumprimentar. Era um trabalho que requeria muito sorriso, rapidez, criatividade e humildade. Já cheguei a proteger uma hóspede de um assalto ousado em frente ao hotel. Fui fotografado e saí numa revista, dessas de celebridades, ao lado da bela Claudia Schiffer, a revista, claro, guardei com carinho. Recebia presentes de clientes, de pelúcia de canguru (“para sua filha...”) a jogo de saquê japonês. Pois os hóspedes conheciam a minha vida, gostos, hábitos.

Com esse emprego, criei três filhas, todas formadas. Batalhei para que elas estudassem, pois, se eu tivesse estudado mais teria chegado a Gerência Geral do hotel. A minha esposa faleceu quando elas estavam na adolescência e tive que atuar no papel de pai e mãe. Graças ao meu esforço e claro delas e da minha mulher que nos protegiam do céu, elas se casaram bem e geraram vários netos para mim. Eu estava feliz.

Porém, um certo dia, nós devotados funcionários do Grand Hotel Royal, recebemos uma notícia chocante: que o hotel seria vendido. Mas não para um outro hoteleiro, e sim para uma empresa, onde iria transformar as belas e aconchegantes acomodações em escritórios frios, de carpete cinza e iluminação fosforescente.

Fiquei em estado de choque. Como uma segunda morte da minha mulher. Dediquei tanto ao oficio, fiz tudo com carinho, e o hotel iria virar um pedaço de concreto onde centenas de engravatados estariam teclando as calculadoras para “aumentar o faturamento” e “atingir a meta” da empresa.

Já vivia só, num flat perto do hotel, toda a família encaminhada para seguir seus passos, ou seja, senti que a minha missão estava cumprida.

Na ocasião da reforma do prédio (já estava irreconhecível, cheio de pó e tijolos espalhados) chamei um dos pedreiros num canto e disse:

“Enterre-me sob a porta principal. Podemos fazer isso de madrugada. Darei todas as minhas economias para você. Sou poupador, tenho cerca de meio milhão na conta. Quero morrer junto com o Grand Hotel Royal. Como fez o Romeu com a Julieta”.

Obviamente, ele me respondeu:
“O senhor está louco”.

Porém insisti todos os dias, o piso do andar térreo estava todo desmontado, se perder essa chance, nunca mais iria conseguir esse meu desejo de “anexar-me” ao hotel.

“Pense bem. Meio milhão. Com essa renda você poderá viver confortavelmente pelo resto da sua vida. Tem filhos? Pense neles. Boa educação, boa alimentação... Se for bem feito, ninguém irá descobrir...”

E no dia seguinte recebi um telefonema. Era o tal pedreiro.

“Vamos em frente”

Transferi toda minha conta, vesti o uniforme do capitão porteiro e levei uma garrafa de uísque.

Eram duas da manhã, e o prédio estava em escombros, como se tivesse bombardeado, com fios pendurados por toda parte.

Eu e o pedreiro secamos a garrafa de uísque e bêbado, adormeci. Logo depois o rapaz fez o trabalho. Cavou, com muito esforço, me colocou deitado bem abaixo da porta giratória. E derramou cimento em cima de mim.

Hoje me sinto realizado, observando meus novos “hóspedes” passarem por cima de mim. O melhor de tudo é que poderei recepcioná-los com sorriso, mantendo o espírito de hospitalidade do Grand Hotel Royal, para sempre.

(foto:www.nikkoyangon.net)

Monday, August 14, 2006

 
Anarquia...

SER GOVERNADO é ser ser observado , inspecionado, espiado, no sentido de falta de privacidade tal como se entende hoje, dirigido, legislado, numerado, regulado, regulamentado, parqueado (enrolled), endoutrinado, controlado, ´calculado´, ´avaliado´, censurado, comandado, por criaturas que não têm, nem o direito nem a sabedoria nem a virtude para o fazer . Pierre Joseph Proudhon – anarquista francês do séc. XIX

Ocorrerá neste mês, a primeira Feira Anarquista de São Paulo. Em geral, o Anarquismo remete à violência, em parte por causa dos movimentos ocorridos no século XIX e XX, porém, o seu conceito inicial é a busca da abolição do Estado e qualquer tipo de ordem hierárquica, sem exatamente significar desordem por meio de atentados.

Em várias cidades nos EUA e na Europa ocorrem anualmente feiras de livros anarquistas que reúnem diversas editoras e livrarias ligadas ao pensamento libertário, assim como séries de palestras, debates e apresentações artísticas. No Brasil, eram comuns festivais operários organizados pelos anarquistas no início do século XX.

Inspirados nessas experiências, a editora Index Librorum Prohibitorum e o Coletivo Anarquista Terra Livre realizarão a 1a Feira Anarquista de São Paulo.

O evento contará com mostra e venda de livros, jornais, revistas, fanzines e outros materiais a preços populares. A Feira pretende reunir as editoras libertárias do país, assim como do exterior, e expor os títulos ligados ao tema de outras editoras.

Haverá também exposições sobre o primeiro de maio e de ilustrações de artistas anarquistas contemporâneos. Uma mostra de painéis contendo atividades de grupos ou coletivos anarquistas do Brasil e do mundo.

Existe se não me engano em Moema, existe um buffet infantil chamado Anarkia Park...Será que o nome foi dado devido ao caos lá dentro com 300 baixinhos?

Espaço Cultural Tendal da Lapa - Rua Constança, 72 - Lapa, São Paulo, SP
Dia 20 de agosto de 2006 das 10:00 hs às 20:00 h
Entrada francaSite do evento:
http://feira.sarava.org/sommaire.php3
(foto:www.sf.indymedia.org)

Monday, August 07, 2006

 

A questão da limpeza

Na maioria das vezes vou até a minha livraria caminhando. Do bairro de Paraíso até Jardins. Que longe! Todos dizem. Porém, é uma caminhada agradável, de 35 minutos, sem ladeira, é só seguir a alameda Lorena, até chegar no cruzamento com a rua Augusta. Longe (ou parece longe) da poluição, vou passando por lojas charmosas, cafés, flats. Apenas a calçada está longe de ser perfeito para os pedestres.
(foto: www.bin-tow.com)

Ao longo da alameda, vejo pessoas “civilizadas”, com educação de primeiro mundo, como as jovens mamães judias andando com as crianças e as madames levando seus cachorrinhos para passear segurando um saquinho de supermercado, para uma emergência fecal do animal.

Porém, existem pessoas que sujam o bairro. Infelizmente, a maioria que não tiveram a oportunidade de receber a tal educação no colégio interno da Suíça, que vem de outros bairros para trabalhar na casa ou no escritório dos patrões. Um dia, eu estava andando atrás de uma moça aparentemente, dessa categoria. Ela estava vasculhando a sua simples bolsa preta, porém, enchida de mil coisas de mulher. Tirou um pedaço de papel, examinou-o e simplesmente jogou no chão da calçada. Pegou outro papel, desta vez pude identifica-lo como cupom fiscal, também....para o chão. E assim por diante, ela foi fazendo a faxina da sua bolsa enquanto caminhava. O pulso dela movimentava de dentro da bolsa para fora automaticamente, sem remorso. Vi ao final meia dúzia de papéis, ingressos, embalagem de chiclete, jogados no chão.

Acho que não podemos julgá-los, simplesmente, dizendo “esses ...aianos”, “esses ...ordestinos”. Eu colocaria culpa toda no sistema de conscientização de cada um, no Brasil, em relação à limpeza. Provavelmente fomos acostumados, desde criança, que alguém fará o tal serviço. “Deixe que a faxineira limpe”.

Nas escolas do Japão, onde passei a minha infância, quem limpa a sala de aula são os alunos. Amontoávamos as carteiras e cadeiras, varríamos e passávamos pano no chão. Trabalho chato, pode ser. Mas é um exercício de união e resultado (entre os alunos) instantâneo e fácil. Desde cedo éramos condicionados a arrumar, deixar em ordem, pelo menos o que é seu e o que está ao nosso redor.

Ouvi dizer que o dono da rede de salão de beleza SOHO, que é japonês, ia toda manhã ao parque da Aclimação, na vizinhança da sua casa, e varria a entrada do parque. No início, os motoristas de táxi olhavam enigmáticos, a rotina do senhor japonês. Porém, aos poucos eles também começaram a participar na manutenção da limpeza do entorno do ponto de táxi.


Será que as escolas brasileiras já pensaram em colocar seus alunos para limpar a sala de aula?

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